Rumor, de Renato Pera


Há alguns anos o artista Renato Pera (São Paulo, 1984) tem se interessado pela representação de temas abjetos por meio de linguagens e materiais relativamente assépticos. Gotas de sangue e baratas são termoformadas em placas de plástico; uma receita de galinha ao molho pardo, em que o animal é cozido em seu próprio sangue, é narrada por José Mojica Marins (cineasta conhecido por sua personagem “Zé do Caixão” e difusor do gênero de terror no Brasil); cabeças (a do próprio artista, especificamente) são degoladas e explodidas em animações digitais. 

No projeto Rumor, apresentado no Beco do Pinto, essa pesquisa ganha um novo componente: a investigação sobre histórias de violência registradas em arquivos de instituições na cidade de São Paulo. Ao longo de visitas aos acervos do Museu da Polícia, do Arquivo Público do Estado, do Museu da Cidade de São Paulo (CEDOC), do Centro de Arqueologia de São Paulo, da Faculdade de Medicina da USP, do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), entre outros espaços detentores de memórias e produtores de conhecimento, Pera recolheu laudos de autópsias, exames cadavéricos, notícias de jornais e matérias de revistas sobre assassinatos ocorridos entre os anos 1920 e 1970. Trechos selecionados desses materiais são emitidos por alto-falantes feitos de fibra de vidro vermelha e dispostos na escadaria do Beco, que, inclusive, abrigou um gabinete médico legal naquele período. 

Segundo o dicionário Priberam, rumor é um “ruído surdo e confuso” ou “murmúrio geral proveniente de indignação ou de descontentamento”. O projeto de Pera discute a manutenção da violência, mas especialmente as formas como ela é registrada e narrada pelos aparelhos médico-jurídicos e pela imprensa. 

Longe de uma transposição direta dos materiais de arquivo para a instalação sonora, o artista escolhe aqueles em que a descrição objetiva dos casos deixa entrever excessos de morbidez, erotismo e sadismo, tanto do ato quanto de sua interpretação e sua narrativa. Os textos são discorridos por locutores de rádio e entrecortados por ruídos de teremins, gritos, sussurros, entre outros efeitos especiais usados em filmes de terror e suspense. 

Assim, a partir de documentos históricos, o artista constrói uma narrativa fragmentária que se desenvolve ao longo do percurso no espaço, misturando os sons da cidade e da obra e borrando os limites entre ficção e realidade. Reminiscências do passado são trazidas para o presente, levando a pensar nos apagamentos, recalques e reincidências desses mesmos casos ou situações análogas a eles.

Leandro Muniz



Rumor | Renato Pera

Beco do Pinto | Museu da Cidade de São Paulo
Rua Roberto Simonsen, 136 – Sé – São Paulo – SP (próximo à estação Sé do metrô).

27 de agosto de 2022 a 25 de junho de 2023
Terça a domingo, das 9 às 17h.

Entrada gratuita, sem necessidade de agendamento ou retirada de ingresso.
Serviço educativo disponível.
Intérprete em libras disponível, com agendamento prévio a partir do e-mail: educativomuseudacidade@gmail.com

  

©Paulo Pereira _Teia Documenta, 2022