Adrián Balseca (1989, Quito, Equador) realiza uma instalação na Casa Sertanista, unidade do Museu da Cidade de São Paulo, em diálogo com sua história.
Do lado externo, uma rampa para troca de óleo, em meio às plantas amazônicas de diversas espécies que ali crescem espontaneamente e ocupam, pouco a pouco, aquele espaço em aparente abandono. Ao adentrar a Casa do Sertanista uma das 13 unidades que integram o acervo arquitetônico do Museu da Cidade de São Paulo, logo nos deparamos com ilhas tropicais, cultivadas e organizadas em latas oxidadas de diferentes tamanhos, cores e formas, as quais estampam marcas internacionais de produtos oriundos da indústria de combustíveis fósseis. Na sala lateral, à direita, mais uma ilha integra esse arquipélago, bastante semelhante às anteriores, exceto pelas marcas impressas nas latas – todas made in Brazil.
Se o jardim externo se revela orgânico e selvagem, consequência de um projeto de cidade fracassado, os internos parecem ser fruto de um paisagismo ordenado e gerado pela própria cidade moderna, com a maestria e o tropicalismo do nosso saudoso Burle Marx. Em comum, os restos petroquímicos e a exuberância e o exotismo amazônicos em plena grande São Paulo, onde jaz uma floresta de Mata Atlântica vinda do litoral ao encontro do Cerrado, em meio às várzeas dos rios que lentamente serpenteavam esta planície.
Seriam essas ilhas tropicais pequenos oásis na grande metrópole? Locais de refúgio e sobrevivência em meio à selva de pedras? Mas de quem seria essa sobrevida? Das pessoas, na busca de alguns minutos de trégua e contemplação? Ou dessas plantas que, paradoxalmente, nascem junto aos resíduos petroquímicos, produtos da urbanização e das ideias de modernidade e progresso?
Em busca de respostas, seguimos para um terceiro cômodo da casa, onde se encontram slides de fotografias curadas para a mostra pelo Archivo Visual Amazónico, instituto equatoriano que mantém uma vasta coleção de imagens documentais sobre o desmatamento da floresta pelas indústrias extrativistas de borracha, madeira, petróleo e minérios, além de mostrar um pouco do seu imenso bioma e dos rostos indígenas que lá habitam.
A indústria petroquímica, em particular, explorou a Amazônia equatoriana por três décadas (1960-90), tendo deixado seus rastros por onde passou, tudo em prol da modernização e do progresso. Adrián Balseca vem desenvolvendo e aprofundando suas pesquisas e trabalhos artísticos em torno desse tema, somando importantes denúncias de cunho ambiental e propondo fundamental reflexão cosmológica sobre o mundo em que vivemos e que esperamos para as gerações futuras.
Nesse sentido, Balseca, artista equatoriano convidado para participar da 34a Bienal Internacional de Arte de São Paulo, Faz escuro mas eu canto, conecta-se fortemente ao território brasileiro e a sua parte do bioma amazônico; conecta-se a nossa história e ao nosso presente. Dentre as unidades do Museu da Cidade de São Paulo, uma das instituições parceiras desta 34ª edição, Balseca logo se interessou pela Casa do Sertanista (ou Casa do Caxingui), a qual sediou a Embaixada dos Povos da Floresta (1989-93), entidade não governamental que, em coincidente sintonia com o Archivo Visual Amazónico, manteve uma midiateca com vídeos, fotos e músicas indígenas representantes de 150 povos brasileiros e comunidades extrativistas. Sua finalidade era promover o encontro de tecnologias e modos de ver o mundo, da gente que vive e convive na floresta com a gente privada desse convívio.
Com essa bagagem de informações em relação à trajetória de Balseca, vemo-nos diante de PLANTASIA OIL COMPANY em meio a esta imensa metrópole que, do seu início na velha Vila de Piratininga, teve apagados muitos dos seus rastros históricos, culturais e muito da sua geografia. Afinal, o que é original em São Paulo? O Pátio do Colégio, (re)construído na década de 1970? Os rios que correm canalizados no subterrâneo? Os piscinões construídos em meio ao terreno impermeabilizado? Ou os rios Tietê e Pinheiros retificados para dar lugar a avenidas e automóveis?
Nesse cenário artificial da cidade, vivemos ainda um inesperado e caótico lockdown pandêmico; de repente, a cidade que não pode parar viu-se forçadamente vazia; pássaros caminhavam tranquilos pelas longas avenidas, o pôr do sol prismava-se em lindos tons de laranja e a fumaça que apagava as estrelas se desfazia… É nesta realidade compelida que Balseca vem nos propor uma renaturalização em Plantasia que, do seu interior, se expande em inúmeras formas, num jogo de luzes e sombras digno de um despertar platônico, de dentro para fora da caverna.
A exposição é uma coprodução com a Fundação Bienal de São Paulo e Casa do Sertanista / Museu da Cidade.
Gabriela Rios
Curadora
Tecamatic Fluid (série PLANTASIA OIL Co.). Adrián Balseca, 2021.