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Diálogos no Museu: Conversando sobre os povos originários do Brasil

Como pode um homem branco compreender tudo o que os povos indígenas ameríndios têm vivido desde a invasão europeia do século XVI? Afinal, o patriarcado branco tem sido responsável, há cinco séculos, pelos ataques constantes às integridades físicas e simbólicas desses povos.

Para compreender melhor a questão, cumpre voltar ao início. Antero de Quental, em seu escrito “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”, dá um panorama do Portugal seiscentista: absolutista, católico e pouco afeito ao trabalho manual. O absolutismo, como se sabe, gera a concentração do poder, fazendo com que os interesses sejam unilaterais. O catolicismo, à época, muito diferente do comportamento atual, possuía um caráter venal e de combate à racionalidade. Já sobre a questão do trabalho, Antero afirma: “esse espírito guerreiro, com os olhos fitos na luz de uma falsa glória, desdenha, desacredita, envilece o trabalho manual – o trabalho manual, a força das sociedades modernas, a salvação e a glória das futuras”.

Em virtude, portanto, dessa “falsa glória”, ainda segundo Antero, os portugueses introduziram o trabalho escravo para suprir a falta de mão de obra que eles, por se julgarem um povo conquistador, não queriam ser. Tanto que o primeiro leilão de escravizados africanos, em Portugal, deu-se em 1444. No Brasil, buscou-se escravizar o chamado ‘negro da terra’, que é justamente o indígena; e para justificar essa atitude, temos a confluência de dois fatores. O primeiro, o fato de os indígenas não serem cristãos e, portanto, haver permissão régia para serem escravizados. Entretanto, as prósperas reduções jesuíticas do que hoje corresponde ao oeste do estado do Paraná foram destruídas pelos bandeirantes, entre 1628 e 1629, em sua caça aos indígenas.

Deste modo, embora fosse ilegal aprisionar indígenas convertidos isso ocorreu impunemente. Aqui a motivação é mais ideológica: o conquistador teria direito sobre as terras e povos conquistados. Deste modo, pinta-se o quadro completo do esbulho que sofreram os povos originários: da terra, da cultura, da religião, da liberdade, de seus corpos e de suas vidas. Vivendo em estruturas sociais muito menos hierárquicas e sem produção para acumulação, foram obrigados a trabalhar suas terras para usufruto da metrópole. Considerados selvagens, tiveram que se vestir, europeizar seus modos e cristianizar suas crenças. Muitos, se não fossem escravizados, devido a situações de penúria a que eram expostos, acabavam se oferecendo à escravidão por uma chance de sobrevivência. Seus corpos foram cerceados e violados para os usos e prazeres que os usurpadores desejassem. E, por fim, a maior parte morreu, representando o maior genocídio que já houve na história da humanidade.

Não obstante todo esse passado, a estrutura colonial – malgrado a independência, o período imperial e republicano – ainda se mantém inalterado. Indígenas ainda são mortos por aqueles que têm interesses em suas parcas terras para o agronegócio. E grande parte dos demais pensa que seria mais fácil se eles renunciassem a suas culturas e passassem a ter a vida igual à dos demais. Nesse caso, cabe um exercício simples, infinitamente menor e incomparável à questão, mas que já ajuda a adentrá-la: e se, a partir de hoje, você fosse proibido de entrar na sua casa e tivesse que morar na rua? Ou se os locais de seus cultos religiosos fossem destruídos? Se seu time do peito fosse desintegrado? Se você fosse impedido de exercer a profissão que ama, e para a qual estudou, para fazer algo alheio à sua vontade? Se fosse impedido de falar o português e fosse castigado toda vez que o fizesse? Se fosse extraditado sem nunca mais poder falar com sua família? Se fosse torturado e exposto ao olhar de curiosos?

A questão é que a dimensão simbólica da vida, dada pela cultura e pelas relações que se estabelece com objetos e outros indivíduos são tão indispensáveis à manutenção da existência quanto comer, beber, dormir. Não pode haver reconhecimento como indivíduo fora de um sistema relacional de convivência que permita a formação da identidade, do pertencimento, sob pena de formação de pessoas alienadas da realidade – a Sociologia tem vários estudos a esse respeito. Deste modo, não se pode abandonar sua própria cultura sem abandonar quem se é – principalmente se não se está falando de uma opção, mas de uma violência contra o indivíduo. Pode ser fácil para o brasileiro médio, cuja educação tem semelhanças com a estadunidense e europeia, mudar-se para esses locais e encaixar-se razoavelmente. Mas, uma cultura calcada em bases totalmente diversas pode não ser intercambiável e exigir isso, para além de desrespeito, é crime contra a integridade do indivíduo.

Mais do que nunca, em uma época em que os grandes sistemas de pseudoverdades se esboroaram, é possível – e imprescindível – abrir o pensamento e a visão intelectual para alcançar mais longe. Após duas guerras mundiais, Holocausto, Apartheid, neocolonialismo, as guerras que ainda ocorrem no Oriente Médio, a criação da ONU, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e todos os discursos decoloniais que gritam e palpitam por todo o globo, não é plausível que um ser humano se julgue decente e ético calcando-se na exclusão e preconceito como paradigma de vida. Lembrando o que disse Osho, no livro “Tantra: A Suprema Compreensão”: “nada é mais valioso do que a vida, verdade alguma é mais valiosa do que a vida. E, às vezes, nossa verdade pode matar a vida de alguém. Que farias? Só para salvar teu velho padrão e hábito, teu próprio ego, o ´sou um homem verdadeiro´, sacrificarias uma vida — só para ser um homem verdadeiro, só por isso? Estarás completamente louco! Se uma vida pode ser salva, mesmo que as pessoas te achem um mentiroso, que mal há nisso? Por que dar tanta importância ao que as pessoas dizem a teu respeito?”

É, então, para falar dessas e de outras questões que o Museu da Cidade de São Paulo, por intermédio do seu Programa Diálogos no Museu, traz Jera Guarani e Naine Terena, que são ativistas indígenas, e trarão seus ensinamentos para colaborarem na formação de pensamentos mais humanos e justos para com todos.

Danilo Montingelli
Coordenador Geral
Programa Diálogos no Museu da Cidade de São Paulo


Data: 11/06/2021
Horário: 17h
Duração: 120 minutos
Link para acesso: http://bit.ly/povosoriginarios
Acessível em libras


Imagem da arte: retirada do site pexels.com – foto de Plato Terentev

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