Palestrante: Alice Américo – Coordenadora do Núcleo de Monumentos e Obras Artísticas do DPH (Departamento de Patrimônio Histórico)
Costuma-se dizer que contra fatos não há argumentos. De fato, este adágio serve para muitas situações cotidianas, mas pode ser relativizado quando se trata de fatos históricos. Não porque os fatos em si mudem, mas, geralmente, deles temos fragmentos que precisamos remontar para criar uma narrativa; ou, muitas vezes, os registros que temos são das personagens que viveram o fato e, por isso, não são contados de forma neutra. Outra possibilidade é o fato ter sido registrado muito tempo depois de sua ocorrência, vindo de tradições orais que, provavelmente, acabaram sofrendo alteração com o passar do tempo.
Além dessas, há outra situação que deve ser considerada: as sociedades são dinâmicas e, conforme mudam as estruturas sociais, altera-se também a forma de compreender as coisas. Há o que caia em desuso, há objetos anteriormente inimagináveis que são criados, há hábitos tidos como corretos e que acabam se tornando indesejáveis ou até grotescos. Isto não altera, portanto, somente o presente, mas a leitura que se faz do passado. Deste modo, a História é dinâmica, sempre suscitando descobertas e reinterpretações conforme se avança nos estudos e observações dela.
Deste modo, os significados e valores dos fatos são alterados e, com eles, altera-se também a visão que se tem das pessoas que os ocasionaram ou viveram. Se, no passado, algo tido como invejável fazia alguém ser importante, a decadência ou até a proscrição deste hábito faz com que a estima desta pessoa decresça na sociedade atual ou, até mesmo, torne-se inconveniente, uma memória difícil. O exemplo mais clássico é o do nazismo. Entre as décadas de 1930 e 1940, na Alemanha, teve enorme apoio popular, mas os ideais hitlerianos de eugenia hoje são considerados genocídio e crime contra a humanidade.
Nessa esteira entram também os monumentos erigidos para as personalidades históricas. Justificáveis, em uma certa época, passam a ser uma lembrança incômoda em outra, quando os motivos para seu destaque deixam de ter valor para a sociedade atual ou afrontam os princípios que se busca erigir e seguir no presente. Diante disto, há três possibilidades: destruir o monumento, retirá-lo de seu lugar de destaque e levar para outro (um museu, por exemplo) ou deixar no lugar fazendo alguma intervenção que enseje o pensamento crítico sobre ele (como uma placa explicativa ou outro monumento que o ladeie).
Será que retirar um monumento é uma tentativa de apagamento histórico ou será uma tentativa de limpar o terreno para que novas ideias surjam? Será uma tentativa de esquecer o que nos formou ou abertura para uma formação mais alinhada com as releituras do presente? Será injusto com o passado ou justo com os que sofreram na mão daqueles que estão em destaque?
São muitas as perguntas. Para tentar ajudar na formulação de respostas, nesta edição do Diálogos no Museu, trazemos Alice Américo, Coordenadora do Núcleo de Monumentos e Obras Artísticas do Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo, para falar da questão dos monumentos, trazendo uma visão institucional sobre eles, posto que o Estado tenha sua salvaguarda.
Danilo Montingelli
Coordenador Geral