A Lógica do Lugar | Gustavo Rezende
A tradição presente na História da Arte sempre foi um assunto de reflexão na produção do artista Gustavo Rezende. Os principais materiais que ele elege para desenvolver suas obras carregam essa herança em seu uso. Além disso, conceitualmente o trabalho do artista trata da História da Arte, presta reverência a ela, ao mesmo tempo em que a desconstrói, reconstruindo-a em um universo fragmentado, em ruínas, imerso no contemporâneo e recomposto com ironia.
Gustavo Rezende ocupa a Casa do Bandeirante com uma construção que atravessa seu eixo central. São setenta toneladas de pedras de granito distribuídas em uma estrutura de quarenta metros de comprimento. A passagem pelo interior da edificação é interrompida; só é possível atravessar o espaço pelo olhar, por meio dos eixos de circulação que a arquitetura da casa propõe, entre frestas de portas e janelas. Ver a obra, ou a casa, só é possível percorrendo o espaço externo.
O externo e interno se materializam no trabalho da Casa do Bandeirante, e se convertem em um só. O interior avança para o exterior e, consequentemente, carrega o exterior para dentro. Colocado para fora do espaço íntimo da casa pela presença da construção de pedra, o corpo também se faz perceber. É necessário transitar, se expor ao sol ou a chuva. O trabalho ganha status de permanência no espaço, se faz como ruína, e se prolonga em um tempo que não é mais curto, se adensa, se faz notar. Parece anterior à própria construção da Casa do Bandeirante.
Gustavo apresentou em 2004 no Centro Universitário Mariantonia “Squeeze ou Geografia negra”. Nele, uma estrutura negra era ao mesmo tempo passagem para o interior da sala convertida em escultura, onde “Não sem certa ironia – e talvez alguma crueldade – o artista nos retira o prazer da visão dessa forma, oferecendo-nos apenas um espaço a percorrer, (…) mais uma vez negando-se a se entregar em sua totalidade”[1]. “A Lógica do Lugar” se constrói em movimento próximo, porém contrário. A ideia de trânsito aqui se mantém, se faz necessário percorrer o espaço. Mas o trabalho aqui é generoso, se faz ver, e faz ver a arquitetura onde está posto. Nem muro nem ponte, o trabalho de Gustavo não dá acesso, e nem impede a visão. Ele converte a Casa do Bandeirante em escultura. Impede o acesso à Casa para dar visibilidade a ela.
Douglas de Freitas
Curador
Museu da Cidade de São Paulo
[1] Fernando Oliva em Squeeze ou Geografia Negra, texto que acompanhava a exposição, posteriormente compilado em Gustavo Rezende – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.